quarta-feira, 15 de abril de 2009

O Perdão de Todos Nós

Raquel Frazão Brunelli


Para algumas pessoas a vida, às vezes, reserva a obrigação de conviverem com alguém que lhes incomoda e machuca sem dó. Quando reclamam, e os amigos lhe dizem que precisam perdoar, perceberão que poderão verbalizar o perdão, mas nunca senti-lo. E por quê?
Porque só eles padecem convivendo ao lado de um doente mental, um drogado ou um transtornado, prejudicando suas vidas, os seus relacionamentos. Com o tempo, vão transformando-se em moldes adaptados, encaixando-se com todos os que surgirem pelo caminho e que possuam as mesmas características da pessoa com quem conviveram.
Quem se casou com um alcoólico e aí adquiriu a co-dependência, poderá “atrair”, inconscientemente, um segundo parceiro, também, alcoólico.
Como perdoar alguém que causou tudo isso?
Se a convivência e o parentesco forem estreitos e a sociedade, religião e mitos endeusarem a figura, ela estará protegida e você, sozinho.
Como perdoar a sociedade a religião e os mitos?
Muitos dizem que perdoando deixaremos de sofrer. Como conseguir isso? Como parar o outro, que inferniza a nossa existência? Para que tudo se acalme tentamos continuar ouvindo promessas e acreditando em mentiras. Perdoamos repetidas vezes e, sempre, na esperança de que tudo vai melhorar. Os dias passam e a coisa fica.
Uma variação desse assunto foi oferecida por um de meus pacientes, uma mulher forte e cheia de recursos, diretora de uma instituição escolar. Quando criança, ela sofrera abuso verbal cruel e constante, da mãe. Em uma das sessões, ela descreveu um devaneio, uma idéia fantasiosa de, um dia, surgir um terapeuta que possuísse a tecnologia para apagar, completamente, a memória, isto é, todas as projeções vindas da mãe.
Esta fantasia foi o primeiro passo para a mudança de sua visão sobre a própria história. Aos poucos, com muito esforço, foi se convencendo de que não se tratava de perdoar a mãe, e sim de se resignar com a impossibilidade de mudar o passado. Deixou a memória em paz e, apesar da lamentável tortura que sofrera, obteve um sucesso na vida muito além do que sonhara. Isso porque, de algum modo, em algum lugar, desenvolveu um grande poder de recuperação e desenvoltura. Terá sido apesar da mãe? Ou por causa dela?
Como bem traduz a frase de Nietzsche: ”O que não me mata, me fortalece”. A adversidade que enfrentamos em casa nos forma e fortalece; aprendemos como lidar com ela e desenvolvemos estratégias engenhosas que podem nos ser úteis ao longo da vida.
Aquilo que fizemos, então não é perdão, só pensamos que perdoamos? Sim, apenas verbalizamos: “Eu te perdôo”. Pior será se a pessoa disser, com cinismo, que não precisa de perdão, porque nada fez.
Muitos ficam tão exaustos que não querem mais perdoar porque perceberam que perdoar os torna vulneráveis e acabam caindo, definitivamente, no controle de quem os machuca.
Então, por que continuar tentando? O perdão se tornou uma experiência dolorosa e a raiva não desapareceu; apenas ficou escondida atrás das palavras. Em seguida, antes mesmo de poderem registrar a dor e dizerem “eu perdôo”, outra coisa desagradável foi descarregada sobre eles.
Então, sentem-se culpados quando alguém pergunta: “Por que vocês não podem, apenas, perdoar e depois esquecer?”.
Porque perdoar alguém não significa que temos de deixar que essa pessoa continue a nos machucar. Ela não precisa de perdão e sim de tratamento.
E quanto a nós, precisamos é nos afastar para que ele ou ela não continue pisoteando a nossa alma. Prosseguiremos pensando sobre como, por que e quando distribuiremos o nosso perdão.
A escolha depende de cada um.

Bibliografia

Beattie, Melody- "Co-dependência Nunca Mais" Record ed., RJ, SP, 2005
Yalom, Irvin, D.-"De Frente para o Sol" Agir ed,RJ,2008

2 comentários:

  1. Oi Raque! Esta está sendo a segunda vez que leio seu artigo e ainda estou refletindo bastante sobre o verdadeiro perdão. Perdoar é realmente muito difícil, principalmente, se é necessário perdoar por diversas vezes e mesmo assim não for o suficiente. Acho que devemos perdoar sim, afinal somos todos falhos, mas não podemos perdoar sempre, pois assim só deixaremos com que as pessoas simplesmente continuem nos machucando e isso não é correto com nós mesmos. Temos que saber o limite de perdoar e mesmo não perdoando sempre (porque perdoar diversas vezes pelos mesmos motivos cansa) devemos seguir em frente com o coração tranquilo, porque só nós sabemos que fizemos o que nos foi possível e que chegou o momento em que perdoar de nada adiantaria e o melhor é começar a pensar mais em nós mesmos.

    Bjos Mari

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  2. olá Raquel! Estou visitando seu blog e amando o que vc escreve. Perdoar... realmente precisamos primeiro nos perdoar pelas escolhas erradas que fazemos ao longo de nossas vidas, aprender a lição, perdoar o outro sempre que possivel, mas saber dar a volta por cima, recomeçar, reconstruir e refazer nossas vidas é a tarefa mais difícil.
    Bjs
    Sonia

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